A Visão Filosófica dos Escritos de Paul Brunton

Artigo de Magda Beatriz Berkowitz (Gran) e Alan David Berkowitz (Micha-El)

para a revista portuguesa Biosofia, publicada no outono de 2023

Crédito da imagem: Jiří Mikoláš 

“Chegará inexoravelmente o dia em que esta caneta não mais se moverá e, portanto, desejo deixar registrado, para o benefício daqueles que vierem depois, um sagrado e solene testemunho de que eu sei – com a mesma certeza que sei que não sou esta caneta que escreve estas linhas – que um ser, benigno, sábio, protetor e divino, que os homens chamam de Alma, que eu chamo de Eu Superior, verdadeiramente existe nos corações de todos; portanto, todos podem descobri-lo... Pois a presença da própria divindade interior do homem é a garantia de que ele, inevitavelmente, deve buscá-la e encontrá-la.”

 Paul Brunton (1898-1981), nascido em Londres, filósofo místico e internacionalmente famoso como autor espiritualista, escreveu seus dez primeiros livros entre os anos 1934 e 1952, os quais foram publicados em mais de 15 idiomas (incluindo o português), despertando milhões de pessoas no Ocidente para a vida espiritual. PB, como era chamado, viajou por todo o mundo, especialmente no Oriente, onde encontrou grandes instrutores das antigas tradições e buscadores espirituais, curadores, iogues, e pessoas famosas e de grande influência no mundo político-social, bem como espiritual.  Ramana Maharishi foi uma dessas pessoas, a quem PB considerou ser um de seus Mestres e a quem ele fez famoso através de seu primeiro livro, A Índia Secreta. Assim falou Ramana Maharishi, referindo-se a sua relação com PB:

“Paul Brunton é um dos meus ‘olhos’. Minha Shakti (poder espiritual) está trabalhando através dele.”

 A partir de 1952 até o fim de sua vida, viveu de forma solitária – seus últimos anos viveu na Suiça – dedicando-se ao aprofundamento de sua realização espiritual, continuando seu trabalho nos planos mais interiores da vida, reunindo-se em particular com líderes mundiais e pessoas famosas que buscavam sua orientação e preparando os frutos de sua sabedoria para a publicação póstuma de seus escritos.

“Para o observador externo, meus anos de declínio foram anos mortos, aparentemente gastos em inatividade e futilidade. Mas esse é só um lado da medalha. Pois eles foram gastos também numa atividade oculta num plano superior, tanto para o meu próprio crescimento espiritual como para a paz do mundo.”

 Durante esse período, ele costumava registrar seus insights e o aprofundamento de sua compreensão na forma de notas, muitas vezes em pequenos pedacinhos de papel e tinha o costume de sempre carregar uma cadernetinha, pois nunca sabia quando a inspiração do Eu Superior tocaria sua consciência. Essas notas posteriormente foram selecionadas por ele e agrupadas em temas e, postumamente publicadas em dezesseis volumes, originalmente em inglês – os Notebooks de Paul Brunton. Suas intuições e revelações sagradas foram, assim, escritas e organizadas em 28 “categorias” ou temas, que PB chamou “Ideias”, cada uma com múltiplos subtítulos e cobrindo uma ampla gama de tópicos referentes à filosofia e à vida espiritual. Esse conteúdo é uma síntese do conhecimento e insights, que ele adquiriu por meio de seus encontros, entrevistas e correspondência com instrutores espirituais e milhões de buscadores de todo o mundo, bem como por meio de estudos dos textos sagrados das tradições filosófico-espirituais do Oriente e Ocidente, além das reflexões sobre sua própria experiência interior e realização espiritual.

“Isto eu posso dizer: que o meu trabalho, do princípio ao fim, tem sido baseado em conhecimento de primeira mão daquilo sobre o que escrevo, e não em ouvir falar ou em tradição.”

 Paul Brunton tinha a tarefa de escrever e transmitir o Ensinamento, várias pessoas durante sua vida, desde os primeiros anos de sua jornada espiritual haviam falado sobre isso para ele; sua profissão de jornalista muito o ajudou nessa tarefa e ele próprio se aprimorou na arte de escrever, mas principalmente, foi a inspiração de seu Eu Superior que sempre esteve ali como pano de fundo, guiando sua caneta como uma força oculta.

 O Príncipe de Mussooree Shum Shere Jung Bahadur Rana do Nepal foi uma das pessoas que comentou sobre isso no prólogo de Um Eremita no Himalaia:

 …Pessoalmente, acho mais fácil compreender muitas intrincadas sutilezas de nossas próprias filosofias e técnicas espirituais asiáticas, inclusive a Yoga, quando explicadas por Brunton, à sua maneira científica, racional, moderna e imparcial, do que quando explicadas à maneira tradicional, tão distante da compreensão do século 20…

 Estou convencido de que Brunton é um dos instrumentos eleitos para reinterpretar a sabedoria quase perdida do Leste para aqueles que foram apanhados na vida mecânica do Oeste, e servir com isso a Sua causa.

 Então, surge o que Paul Brunton chamou de Filosofia. Por que ele deu esse nome aos seus escritos?

 “No íntimo do meu coração não me separo de ninguém, exatamente como este ensinamento em si não exclui qualquer outro na sua perfeita compreensão. Por ter de dar-lhe um nome logo que comecei a escrever sobre ele, chamei-o de filosofia, pois esse é um nome bastante amplo e geral para tornar-se propriedade de qualquer seita isolada. Ao fazê-lo, simplesmente, retomei ao significado antigo e nobre que essa palavra tinha entre os gregos, que designavam a verdade espiritual apreendida na iniciação dos Mistérios Eleusinos como “filosofia”, e o próprio iniciado como filósofo ou amante da sabedoria.”

 Paul Brunton queria usar essa palavra para designar o resultado da mais elevada forma de insight na Verdade das coisas, na Verdade da Realidade Última. Queria o filósofo equiparado ao sábio, a pessoa que não só conhece tal Verdade, tem esse insight e vivencia essa Realidade na meditação, mas que também está em ação no meio do tumulto do mundo. Ele tinha a convicção de que os resultados da iluminação espiritual deveriam ser trazidos ao mundo e aplicados na vida diária no serviço aos outros.  

“Não fugir à vida, mas organizá-la; essa é a meta prática da filosofia. Não retirar o aspirante de circulação, mas dar-lhe algo que mereça ser feito; esse é o ideal sensato da filosofia.”

 Como vemos, a filosofia da qual PB fala não é uma filosofia teórica apenas, ela diz respeito ao ser humano como um todo e não apenas a seus pensamentos abstratos, intelecto, sentimentos, corpo – ou sua relação com os demais. Ela diz respeito à sua vida inteira, o que inclui a sua relação com as pessoas, a moralidade que o guia ao lidar com elas e sua atitude consigo mesmo.

 De acordo com ele, a palavra “filosofia” havia se esvaziado de seu significado original – e ele vem resgatar isso. Ele menciona em seus escritos ser esta uma tentativa pioneira de preencher o termo “filosofia” com um conteúdo que combinasse a tradição antiga com a inovação moderna.

 PB adota um ponto de vista não separatista, mas universal e por esse motivo não a chama de filosofia da Índia ou de outro país qualquer, ao mesmo tempo que não a define como dualista ou não dualista.

“Daqui por diante, o cenário deste ensinamento será e, mais ainda, precisará ser um cenário universal. Resistirá aos que o rotularão de oriental, porque não serão capazes de negar o seu conteúdo, forma e espírito ocidentais. Resistirá àqueles que o rotularão de ocidental, porque também não serão capazes de negar suas raízes e conteúdo orientais.”

 Esta filosofia – em sua abrangência – abraça ideias que se originam não somente na Índia, ou nas Américas, ou na Europa, mesmo porque, a sínteses que PB fez foi uma síntese que incluía o Ensinamento tanto Ocidental como Oriental,  tanto da Índia como de outros países da Ásia, pois, como exemplo, podemos citar um encontro marcante que ele teve com um grande sábio tibetano no Templo Angkor Wat, no Camboja, o qual lhe revelou um ensinamento oculto que culminou numa compreensão final e abrangente – como um desfecho de ouro, para suas buscas e pesquisas.  

 Eis o que PB falou sobre esse encontro com o sábio:

“Embora eu já estivesse viajando na estrada da autodescoberta dessas verdades, é certo que um encontro aparentemente fortuito com um indivíduo extraordinário em Angkor poupou-me algum tempo e trabalho com relação a esse processo. Pois ele revelou-se um adepto da filosofia superior, que não só tinha uma história pessoal muito incomum, como também uma compreensão bem incomum dos problemas que me estavam preocupando. Ele me fez passar por experiências iniciáticas estranhas num templo deserto e, então, com umas poucas e breves explicações sobre os ensinamentos ocultos, colocou em minhas mãos a chave para as soluções deles. Mas, afinal, era só uma chave da porta da antessala e não do próprio tesouro, completo. Tive de descobrir esses ensinamentos por mim mesmo, ou seja, foi-me dada a essência, mas tive de elaborar os detalhes, desenvolver as aplicações e acompanhar as ramificações por mim mesmo. Os alicerces me foram fornecidos, mas tive de construir a estrutura superior por meus próprios esforços. E tudo isso tem sido uma tarefa de muitos anos, uma tarefa na qual ainda estou engajado”.

Para PB, todas as ideias eram importantes, independentemente de país ou mesmo de época, desde que elas fossem ideias filosóficas – e estas seriam, para ele, as ideias que são verdadeiramente úteis ou que estão em harmonia com a Ideia do Mundo e que são capazes de sobreviver ao teste da aplicabilidade.

 Ele diz:

“A prática da filosofia é uma de suas partes essenciais e não consiste apenas em aplicar seus princípios e sua sabedoria à vida ativa do dia a dia, mas consiste também em realizar a divina presença profundamente dentro do coração, onde ela habita em grande quietude.”

 Durante toda sua vida, PB sempre se considerou um pesquisador e estudante de filosofia, nunca quis ser chamado de guru ou ter discípulos, disse não ter pretensão de alegar que um ensinamento inteiramente novo tivesse sido dado ao mundo. Mas, que um ensinamento e uma práxis que ele encontrara de uma forma mais antiga e primitiva estavam sendo atualizadas, e a síntese delas expressa de maneira moderna e científica, como também numa linguagem em que o mundo ocidental pudesse absorver melhor. Também menciona o fato de que partes desse ensinamento antigo que estavam semiocultas e, mesmo outras que se encontravam totalmente ocultas, haviam sido completamente reveladas e tornaram-se acessíveis a qualquer pessoa que viesse a se interessar por esses temas. Portanto, o que PB chamou aqui de filosofia, e o que é pioneiro, é a elaboração que ele fez de uma síntese nova, extraída de todas suas experiências e estudos, incluindo conteúdos de outros colegas de caminho, de entrevistas com sábios, iogues e curadores, alunos etc., espalhados por tantos continentes onde peregrinou, como através das iniciações que teve nas diferentes tradições. Mas, ele diz que o conteúdo desta chamada filosofia vai além de todo esse conhecimento e de todas essas iniciações, ou seja, não se limita a eles.

“É um trabalho pioneiro esta elaboração de uma síntese nova que, embora extraindo seu conteúdo do conhecimento de colegas espalhados por diferentes continentes e, também, das iniciações de mestres pertencentes às mais diferentes tradições, não depende exclusivamente desse conhecimento e dessas iniciações.”

 Outro aspecto da Filosofia que Paul Brunton apresenta é que esta contém a metafísica, o misticismo e a praticalidade. Corretamente compreendida, ela implica tanto em viver quanto em SER. Ela não se trata de um passatempo para quem nada tem de melhor a fazer e, pode ser aplicada em todas as circunstâncias da vida, em todos os desafios e frente a qualquer problema, seja este de cunho pessoal ou social. Esta filosofia nos ensina como viver uma existência equilibrada numa sociedade desequilibrada.

 O caminho do buscador espiritual é um caminho quíntuplo e precisa ser percorrido completamente e em perfeito equilíbrio, simbolizado por uma estrela de cinco pontas. Paul Brunton chamou esse caminho de "Estrela Filosófica" e a pessoa que percorre esse caminho trabalha para desenvolver cada ponto da estrela, representado pela veneração religiosa, meditação mística, reflexão racional, reeducação moral e serviço altruísta. O buscador, portanto, precisa orar no sentido mais profundo desta palavra, praticar a meditação, criar tempo para refletir sobre a verdade que busca, estar atento ao aprimoramento moral e reconhecer a unidade da existência praticando o altruísmo e servindo à humanidade. Através de cada um desses aspectos ou pontos da estrela, o buscador alcança o equilíbrio perfeito. O centro da estrela é representado pelo radiante Eu Superior, portanto, o significado esotérico da Estrela Filosófica é o “Filósofo”.

Hoje, quase 42 anos depois de sua morte e mais de 90 anos depois da publicação de seu primeiro livro, os escritos de Brunton continuam populares e contemporâneos, com leitores ao redor do mundo estudando seus livros e vivendo de acordo com suas ideias.

Que a Filosofia de Paul Brunton possa inspirar e iluminar o caminho de todos nós!

Para mais informações detalhadas sobre Paul Brunton e sua obra acesse:

 www.paulbrunton.com.br – em português

www.paulbrunton.org – em inglês

www.larsonpublications.com – editor em inglês

www.paulbruntondailynote.se (para receber parágrafos diários em português) https://www.facebook.com/Paul-Brunton-Brasil-109559291425190

You Tube Paul Brunton Official – em português e inglês

Instagram: @paulbrunton_

Gran (Magda Beatriz Berkowitz) e Micha-El (Alan David Berkowitz) são os tradutores de Paul Brunton para o idioma português, coordenadores do website www.paulbrunton.com.br e responsáveis pela criação do canal no Youtube Paul Brunton Official, dedicam suas vidas à difusão do Ensinamento de Paul Brunton, bem como de outros importantes filósofos espirituais contemporâneos de grande significado.

 Foto:Aleksey Kuprikov

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