A Yoga por Swami Abhedananda

O que é yoga?[1]

Em todas as Escrituras Sagradas do mundo, assim como na vida dos inspirados mestres, profetas, santos e Videntes da Verdade, encontramos descrições frequentes de eventos e poderes milagrosos, que, admitindo certo exagero, ainda devem ter algum fundamento. Sabemos, na verdade, que desde tempos imemoriais em todas as épocas e em todos os países surgiram entre as diferentes nações pessoas que podiam ler os pensamentos dos outros, que podiam prever e profetizar o que aconteceria posteriormente; mas a maioria dessas pessoas não entendia as causas de seus dons peculiares e tentava explicá-los atribuindo-os à influência de seres externos, a quem chamavam por vários nomes – deuses, anjos, espíritos bons ou maus.

Alguns deles até imaginavam que eram especialmente escolhidos para serem os instrumentos desses poderes superiores e procuravam ser adorados como os eleitos de Deus ou de sua divindade específica, assim como os líderes de certas seitas deste país[2] hoje desejam ser adorados por seus seguidores. Em alguns casos, aqueles que possuíam esses poderes incomuns eram vistos como exceções divinas, como Jesus para os cristãos, Maomé para os maometanos e Buda para os budistas. Outros ainda foram condenados como feiticeiros ou bruxos, e o medo despertado por tais perseguições levou à prática secreta de diversos métodos que resultaram em manifestações ainda mais extraordinárias.

Esses métodos nunca foram escritos, mas passados oralmente do mestre para o discípulo, que por sua vez os guardava cuidadosamente como mistérios sagrados. Esta é a razão pela qual entre as nações antigas surgiram tantas sociedades secretas, cujo objetivo era desenvolver certos poderes por meio de vários tipos de disciplinas e práticas. Os egípcios, os essênios, os gnósticos, os maniqueístas,[3] os neoplatônicos e os místicos cristãos da Idade Média, todos tinham suas organizações secretas, e algumas delas ainda existem, como, por exemplo, a Loja Maçônica. Nenhum dos membros dessas sociedades jamais divulgou suas instruções secretas, nem escreveu livros que ofereçam uma explicação lógica ou científica de suas práticas. Portanto, embora alguns deles tenham avançado muito na obtenção de poderes superiores, as manifestações incomuns resultantes nunca foram compreendidas pelas nações ocidentais, nem foram generalizadas em um sistema ou ciência.

Na Índia antiga, ao contrário, como não havia medo de perseguição, a situação era totalmente diferente. Todo hindu era obrigado, como parte de seu dever religioso, a desenvolver por meio da prática diária certos poderes e a se esforçar para alcançar a realização de verdades mais elevadas. Nas ruas, no mercado, nos tribunais e no campo de batalha, havia muitos que não apenas alcançaram essa realização, mas que classificaram cuidadosamente suas experiências e descobriram as leis que governam nossa natureza superior e sobre as quais foi gradualmente construída a profunda Ciência do Yoga.

Vemos, portanto, que essa ciência, como todas as outras, foi baseada na experiência, enquanto o método usado nela foi o mesmo empregado pela ciência moderna para fazer todas as suas descobertas sobre a lei natural – o método da observação e do experimento. Esse método é considerado no Ocidente como uma inovação nitidamente moderna, mas, na realidade, foi adotado na Índia em tempos muito antigos pelos Rishis,[4] ou Videntes da Verdade. Pelo processo de observação atenta e experimentos constantes, eles descobriram as forças mais sutis da natureza, bem como as leis que regem nosso ser físico, mental e espiritual. As verdades assim obtidas por meio de suas próprias experiências e investigações foram escritas em livros, pregadas em público e expostas a seus alunos. Antes, porém, de afirmarem qualquer coisa sobre a natureza da alma ou de Deus, eles já haviam percebido isso. Antes de pedir a um discípulo que praticasse qualquer coisa, eles mesmos haviam praticado e obtido resultados definitivos dessa prática.

Dessa forma, como resultado de eras de investigação nos reinos da natureza, realizada por uma sucessão de sérios buscadores da luz, surgiram na Índia vários sistemas de ciência, filosofia, psicologia, metafísica e religião, tanto especulativos quanto práticos, que foram agrupados sob o único nome comum de religião ariana.[5] O termo “religião” foi usado para incluir todos, porque em nenhuma época na Índia a religião foi separada desses diferentes ramos ou da conduta geral da existência cotidiana; e os métodos pelos quais essas verdades científicas foram aplicadas na vida diária de um indivíduo para promover seu desenvolvimento espiritual, foram chamados pelo termo geral “yoga”.

Yoga é uma palavra sânscrita comumente usada para significar o lado prático da religião; e a primeira preocupação do treinamento que ela apresenta é impor a obediência adequada às leis de nossa natureza moral e física, das quais depende a obtenção de uma saúde perfeita e da perfeição moral e espiritual. Nos países ocidentais, a palavra foi indevidamente compreendida e mal utilizada por muitos escritores, que a empregaram no sentido de malabarismo, hipnotismo, truque e fraude. Ao ouvir a palavra “yogue”, que significa alguém que pratica Yoga, as pessoas pensam em algum tipo de malabarista ou charlatão, ou o identificam com um faquir ou alguém que pratica magia negra. Os teosofistas foram em certa medida responsáveis pelo uso inadequado do termo; mas aqueles que estudaram os Livros Sagrados da Índia, como, por exemplo, o Bhagavad Gita[6] ou Canção Celestial, assim denominado por Edwin Arnold em sua tradução, se lembrarão de que cada capítulo dessa Canção Celestial é dedicado a algum tipo de Yoga, ou método para realizar a Verdade Suprema e alcançar a sabedoria mais elevada; e que um yogue é aquele que, por meio de várias práticas, realiza o ideal mais elevado da religião que, de acordo com o Bhagavad Gita, é a união da alma individual com o Espírito Universal.

Os escritores hindus, no entanto, usaram a palavra Yoga em vários outros sentidos. Mencionarei alguns deles, a fim de dar uma ideia da amplitude do campo abrangido por este termo. Em primeiro lugar, Yoga significa a união de dois objetos externos. Segundo, a mistura de uma coisa com outra. Terceiro, a inter-relação das causas que produzem um efeito comum. Quarto, o equipamento ordenado de um soldado ou de qualquer pessoa em qualquer profissão. Em quinto lugar, a aplicação, a discriminação e o raciocínio que é necessário para a descoberta de determinada verdade. Sexto, o poder do som que o faz transmitir uma ideia específica. Sétimo, a preservação do que se possui. Oitavo, a transformação de uma coisa em outra. Nono, a união de uma alma com outra ou com o Espírito universal. Décimo, o fluxo de uma corrente de pensamento em direção a um objeto. Décimo primeiro, a restrição de toda ação do pensamento pela concentração e meditação. Vemos, desse modo, como muitos ramos diferentes da arte, ciência, psicologia, filosofia e religião estão incluídos nas várias definições desta palavra. Parece, de fato, em seu escopo e alcance, abranger todas as áreas da natureza. Se, no entanto, considerarmos o significado literal da palavra, entenderemos mais facilmente por que é tão abrangente.

Derivou-se da raiz sânscrita Yuj, que significa juntar. A palavra inglesa yoke (unir) também vem da mesma raiz. Originalmente, o significado literal das duas palavras era quase o mesmo. A raiz do verbo Yuj significa “unir-se a algo”, ou preparar-se para alguma tarefa. Assim, em seu significado primário, transmite a mesma ideia de preparação para o trabalho árduo que as expressões comuns em inglês “to go into harness” (impor-se uma tarefa) ou “to buckle to” (dedicar-se a algo). O esforço exigido é mental ou físico, de acordo com o propósito em vista. Se o objetivo for a aquisição de saúde perfeita ou longevidade, então o esforço da mente e do corpo para conseguir isso por meio de certas práticas é chamado Yoga. O mesmo acontece se o objetivo for o desenvolvimento de poderes psíquicos. A mesma palavra é usada igualmente para indicar o treinamento mental necessário para a obtenção do autocontrole, da união da alma individual com Deus, da comunhão divina ou da perfeição espiritual. Inúmeras obras foram escritas na Índia descrevendo os diferentes ramos e métodos dessa ciência aplicada do Yoga e os vários ideais que podem ser alcançados por meio de sua prática; também quais qualificações são necessárias a um iniciante para empreender qualquer um desses métodos, por quais estágios ele deve passar para alcançar a meta, quais obstáculos existem no caminho e como podem ser superados.

A paciência e a perseverança são absolutamente necessárias para qualquer pessoa que deseje trilhar o caminho do Yoga; aqueles que não são pacientes não podem esperar chegar à verdadeira realização. Aqueles que o procuram por curiosidade ou pelo impulso de um entusiasmo temporário, não devem esperar obter resultados e não devem culpar o professor pelo seu fracasso, pois a responsabilidade é inteiramente deles. Os mesmos ensinamentos, quando aplicados com conhecimento de causa e com o espírito correto, trarão resultados maravilhosos. Esses resultados, no entanto, só serão alcançados pelo aluno que seguir rigorosamente as instruções de um mestre vivo, que o orientará na prática de exercícios físicos e mentais.

Os aspirantes ao estudo do Yoga podem ser divididos em três classes: Primeiro, aqueles que nasceram yogues. Há alguns que, tendo praticado Yoga em uma encarnação anterior, chegam aqui como almas despertas e, como tal, manifestam poderes notáveis desde a infância. Sua tendência natural é levar uma vida pura, pois a vida e o pensamento corretos são sua única preocupação, e possuem habilidades extraordinárias de autocontrole e concentração. Os prazeres dos sentidos as coisas que fascinam a mente comum não têm nenhum encanto para eles. Mesmo quando estão cercados por todos os confortos da vida e têm todos os recursos materiais à sua disposição, ainda assim se sentem como estrangeiros em uma terra estranha. Poucos são os que conseguem entender corretamente a condição mental dessas pessoas. Os médicos podem ser levados até eles, mas o tratamento médico pode apenas piorá-los; o autor conhece casos em que danos foram causados dessa forma. No entanto, pela lei da atração, cedo ou tarde serão atraídos para a companhia de algum yogue. Lá eles encontram exatamente o que sua natureza interior estava desejando, e imediatamente sentem-se felizes e em casa. As instruções do yogue atraem suas mentes; iniciam a prática do Yoga sob sua direção e, por ser fácil e natural para eles, logo obtêm excelentes resultados. Assim, desde a juventude, retomam a prática no exato ponto em que a abandonaram em sua existência passada e, por meio de uma firme determinação de superar todos os obstáculos em seu caminho, progridem com rapidez e gradualmente alcançam o mais alto ideal da vida espiritual. Nada no mundo pode impedir sua marcha para a frente, tão intenso e forte é seu desejo de realização.

A segunda classe inclui aqueles que nascem como almas semidespertas. Precisando de mais experiência, passam por vários caminhos sem encontrar o ideal. Dão cada novo passo de forma hesitante e, nessa constante experimentação, desperdiçam muita energia e grande parte da vida. Se essas almas parcialmente despertas, seguindo uma tendência criada em sua existência anterior, tiverem a boa sorte de entrar em contato com um yogue e iniciar a prática do Yoga, elas podem, por meio da perseverança e maestria, alcançar muito nesta vida, embora necessariamente avancem mais lentamente no caminho da espiritualidade do que aquelas que pertencem à primeira classe.

Na terceira classe encontram-se todas as almas não despertas e que começam a buscar a Verdade e a praticar o Yoga pela primeira vez nesta vida. Desde cedo, são irresistivelmente atraídas pelos objetos e prazeres dos sentidos; e se adotam a prática do Yoga, encontram grande dificuldade em seguir seus ensinamentos e numerosos obstáculos ao longo do caminho. Seu ambiente não é favorável à prática e, mesmo quando tentam, não conseguem superá-lo facilmente. Sua saúde não é boa, sua mente é dispersa e sofrem de vários tipos de doenças e distúrbios mentais. Carecem também de determinação, acham quase impossível controlar os sentidos e precisam lutar muito para ajustar seu modo de vida às novas exigências. Com tanto para enfrentar, naturalmente obtêm pequenos resultados, mesmo após longa prática. Se, no entanto, essas pessoas puderem perseverar e fortalecer suas vontades através de uma prática lenta e regular de hatha yoga, lutando bravamente para superar os muitos obstáculos em seu caminho pela prática de exercícios respiratórios e seguindo as instruções de um professor competente, que os entenda, podem ser capazes nesta vida de controlar em grande medida sua saúde física e adquirir certa quantidade de poder do Yoga. O hatha yoga é especialmente útil para esta classe de aspirantes. Através da prática de exercícios respiratórios, gradualmente ganharão o controle de seus corpos e, com o tempo, estarão preparados para o estudo do raja yoga, que despertará os potenciais latentes em suas almas.

 

[1] Trecho do livro Como tornar-se yogue, de Swami Abhedananda, publicado pela Ajna Editora (no prelo).

[2] Em referência aos Estados Unidos, onde Swami Abhedananda chegou em 1897 a pedido de Swami Vivekananda para assumir o comando da Sociedade Vedanta neste país. Ele permaneceu por cerca de 25 anos viajando pelas Américas. Além dos Estados Unidos, esteve no Canadá e no México divulgando a filosofia Vedanta e os ensinamentos do seu guru Ramakrishna, retornando à Índia em 1921.

[3] Os maniqueístas eram seguidores de uma antiga religião chamada maniqueísmo, dualismo religioso sincretista que se originou na Pérsia e foi amplamente difundido no Império Romano (III d.C. e IV d.C). Acreditavam em uma luta cósmica entre forças do Bem e do Mal.

[4] Na tradição hindu, os Rishis são sábios iluminados que receberam revelações ou insights espirituais pela prática intensa de meditação, contemplação e busca interior. Os Rishis são considerados os antigos videntes ou “sábios videntes” que descobriram as verdades eternas e os princípios fundamentais do universo.

[5] O termo sânscrito arya significa “santo” ou “nobre”. Subgrupo étnico e linguístico dos indo-europeus,  os indo-arianos teriam migrado durante a Pré-história e a Antiguidade para a região que abrange hoje a Índia e o Irã.

[6] Bhagavad Gita é um texto sagrado do hinduísmo. É considerado uma das obras mais importantes da literatura indiana e um dos textos fundamentais para o entendimento do hinduísmo e de suas filosofias. O texto faz parte do épico sânscrito chamado Mahabharata, que conta a história da guerra entre duas famílias nobres, os Pandavas e os Kauravas. O Bhagavad Gita é um diálogo entre o príncipe guerreiro Arjuna e o deus Krishna, que serve como seu cocheiro e guia espiritual durante a batalha.

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